OS SIGNOS DA EXOTIFICAÇÃO NEGRA NO CIRCUITO DE ARTES – As possibilidades de uma Janela contra o Racismo

Por: Senzy Garcês – Artista Visual / Performer, Negra e Mulher Sim.

A polêmica gerada recentemente ao redor do vídeo “MonstruáRio 2016” que fez parte da Exposição Composições Políticas no Centro de Artes Hélio Oiticica, veiculados nas mídias sociais reavivaram velhas feridas, ainda abertas e latente na formação e manutenção da sociedade brasileira.O racismo.

59d258be-f6cc-4216-a2b3-9e47d3b087bfA arte tem inúmeras finalidades dentre as quais ser uma lente de aumento, de seu tempo e problematizações, com embasamento de estudos efetivos, não de achismos; ao falarmos de uma forma de Arte Critica e Reflexiva de seu contexto social, cultural e até mesmo econômico.A sociedade atual, é imagética, nas quais as cargas de simbolismos contidos representam uma gama de discursos acumulados em séculos de formação social humana, vigente na polis. Discursos imagéticos esses carregados de interesses, daqueles que detém o poder de controle e interesses de manutenção desse poder que lhes conferem privilégios e status, em uma falsa superioridade racial e étnica, sobre os grupos que são alienados pelo grupo impositor.

O trabalho e o vídeo de divulgação especificamente do artista em questão, expressam o alto grau de decadência e superficialidade do Circuito de Artes no Brasil, tornando piada-irônica a tragédia, se Apropriando da Cultura de outros grupos tidos como minorias politicamente representados, tornando o sofrimento em produtos de venda, destituindo a humanidade do outro e subvertendo em mera condição mercadológica exotificada.

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A partir do momento que críticas negativas feitas com embasamento de estudos, propriedade de vivencia e até mesmo de ordem jurídicas – o artista da suposta obra alegou ter tido apenas boas intenções em denunciar as atrocidades cometidas pelo Estado contra populações negras e moradoras de favelas.

Um dos questionamentos dentre tantos a serem feitos é – como um trabalho que se tem pretensão de ser artístico reflexivo, ao se tornar mercadoria banalizada e de uso comum teria boas intenções. Pensem, um chinelo de borracha comum com uma imagem de jovens negros, de favela – lugar esse historicamente marginalizado e estereotipado de forma negativa – terá um comprador que poderá fazer o uso que lhe convier, até mesmo usando-o como calçado como sua finalidade primária. Esse objeto, perde suas características de arte e retorna ao seu lugar comum. Ou seja, existem enormes cargas simbólicas implícitas no objeto e na imagem em questão.

A banalização da vida, o Racismo implícito e explicito. Um chinelo dito artístico quando em lugar de apenas exposição – como em um quadro – poderia sim funcionar como viés de reflexão, mas ao ser usado apenas como um chinelo toda sua estrutura simbólica muda. E o pretenso discurso artístico aniquilado.

A partir da reflexão do próprio artista criador da tal dita obra, poderíamos então subjugar a humanidade, fortalecer estereótipos negativos, eugenistas, racistas e a dignidade de qualquer outro grupo social, como os das pessoas brancas abastadas – ricas e classe média, tais como ele próprio poderia criar e se beneficiar de fama e dinheiro as custas das boas intenções artísticas com a imagem dessas pessoas que permeiam sua vida social originalmente.

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Como criar Souvenirs vendáveis de Judeus no holocausto – como forma de lembrar as atrocidades cometidas nos guetos e campos de concentração, para que sejam, pendurados nos carros ou calçados como chinelos chiques, souvenirs de mulheres brancas, sendo estupradas e agredidas, e colocarem na estante, ou ainda dar uma pelúcia do garoto branco de classe média, arrastado e despedaçado pelas ruas do rio, ou souvenir em formato de quebra-cabeças do médico esfaqueado na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou souvernirs dos refugiados brancos na Europa, como o caso do garoto morto por afogamento. Porque com a imagem/ cultura do corpo negro e/ou indígena tudo é permitido?

Isso acontece pelo simples fato de que a dor grupo social Branco é considerada por eles mesmos, maior, mais importante; e que sua humanidade está acima de qualquer povo negro ou indígena. É a hierarquização, e a clara presença eugenista em pratica, a ideia introjetada e mantida de forma subliminar de sua pretensa Superioridade de Raça, Cultura, Valores e Civilidade.

Todos os símbolos, signos e sinais do discurso raso e sem comprometimento real do Circuito das Artes foram expostos, no dia 12 de abril de 2016 no CAHO. Que ao ser conivente com a negação de acesso pela porta, expos uma profunda reflexão quanto a sua representatividade simbólica naquele momento, a Casa Grande no mundo das artes, suas Sinhás e o Coronelismo, e seus capatazes. A janela como signo emblemático de acesso, no qual os negros foram impedidos o acesso digno, tendo a janela sua única condição histórica de fala. A rua a expressão da Senzala e Quilombo.

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